O Golpe Subliminar

Nem presidencialismo, nem parlamentarismo. O Brasil é o único país no mundo em que o centro do poder político está no Judiciário.

A judicialização da política pelo Legislativo e pelo Executivo acabou por transferir o eixo de Poder da República para o Supremo. Sim, o presidente da Câmara tem a presidente da República como refém, mas isso é circunstancial e personalíssimo. A transição de poder para o Supremo, no entanto, é institucional.

A centralidade política do Supremo Tribunal Federal vem sendo ensaiada há anos pelo pensamento neoconstitucionalista que divide a corte. Gilmar Mendes interpretou o neoconstitucionalismo alemão a seu modo, para horror de Canotilho, e atribuiu por via jurisprudencial à Corte poderes que nenhuma outra no mundo detém. Joaquim Barbosa, Barroso e Marco Aurélio Mello, entre outros, aderiram a esse pensamento e endossa(ra)m esse empoderamento.

O neoconstitucionalismo de Gilmar Mendes tem como corolário o STF como a última voz em tudo na República. Foi emblemática nesse sentido sua fala ao término do julgamento de recurso em que se discutia a quem caberia a última palavra sobre a extradição de Cesare Battisti. O Corte decidiu majoritariamente que tal decisão caberia ao Presidente da República, contra a posição de Mendes, que declarou: “Hoje, o Supremo se apequenou”. Apequenou-se porque permitia, ali, que outro Poder, que não o Supremo, pudesse ter última palavra sobre alguma questão na República.

Tudo andaria de modo aceitável, se o Supremo se circunscrevesse à função de fazer cumprir a Lei e a Constituição. Porém, não é assim. Sob o neoconstitucionalismo, a Corte Suprema julga com base em princípios constitucionais escritos e não escritos: não julga, como se espera, apenas com base na lei. O exemplo máximo disso foi a decisão a favor do casamento homoafetivo. Sem entrar no mérito da questão de fundo, o que importa politicamente é que, ali, o Supremo decidiu contra texto expresso da Constituição Federal, com base justamente em princípios constitucionais. Ou seja, o Supremo colocou-se acima da Lei Máxima.

Bem de acordo com essa postura, os neoconstitucionalistas falam não em Estado de Direito, mas em Estado Constitucional, que é precisamente aquele regido por princípios etc… Porém, não é isso que diz logo o art. 1º da Constituição Federal:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil (…) constitui-se em Estado Democrático de Direito (…)”

Ora, o Estado Democrático de Direito é aquele submetido à lei, que é o comando estabelecido pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo. Ao Judiciário, nesse sistema, como inferido acima, cabe fazer cumprir a lei. A Suprema Corte brasileira vai além disso no que interpreta, alterando-as, tanto a lei como a própria Constituição.

Atentos apenas a suas rusgas, Congresso e Planalto acatam o desvio do Supremo para o centro do Poder. Enquanto o debate político no Brasil sopesa a dúvida hamletiana sobre ser ou não ser golpe o processo de Impedimento da Presidente da República, corre em paralelo essa tomada de poder que vem sendo construída passo a passo, como a boa – e a má – jurisprudência.

A fala recente de Marco Aurélio Mello explicita esse entendimento, que não é jurídico: é político. Declarou o ministro que mesmo a decisão do Senado sobre o Impedimento pode ser judicializada e julgada pelo Supremo. Essa posição específica pode vir a ser minoritária na Corte, mas está em consonância com o pensamento neoconstitucionalista.

Tudo considerado, o fato é que o Supremo Tribunal Federal mudou o regime político brasileiro. Seus membros, ao longo das últimas duas décadas, desferiram um golpe de Estado subliminar do qual resultou que a Corte assumiu a última instância de Poder. Saímos do Estado Democrático de Direito e caímos no Estado Constitucional, sem qualquer consulta, sem qualquer questionamento, sem qualquer risco de vermelhos e amarelos entrarem em confronto.

Caio Leonardo

14 de abril de 2016

 

 

Para Onde Vai o Brasil?

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Ninguém enfrenta uma tempestade com pedras na mão

 

O País vive instabilidade política, social e institucional num ambiente econômico de recessão. Uma crise ética e moral deflagrada na classe política contaminou a todos: as regras de conduta social foram abandonadas, reina uma fratrifobia – o medo pânico do que pensa seu próprio irmão, vizinho, colega de trabalho ou de escola, concidadão, cliente, paciente, comensal (porque nem os modos à mesa escaparam).

Os brasileiros se odeiam.

Aonde isto vai nos levar?

É tanta informação sendo processada todo o tempo, que é preciso enormes simplificações para, ao menos, tentar alçar os olhos acima do cipoal que amarra as visões do Brasil, e dali entrever, pela copa de árvores (de decisão) o que está no horizonte.

O que se segue é uma tentativa de responder àquela pergunta. O glossário adotado inclui uma oposição fácil de compreender entre “amarelos” e “vermelhos”, que se refere aos dois grandes conjuntos de movimentos sociais que se têm alternado na ocupação das Ruas com agendas políticas conflitantes. “As Ruas” são o conjunto de manifestações urbanas; “o Campo”, os movimentos rurais.

Não são analisados os interesses de outro partido que não o PMDB, por este ser, em última análise, a força política cujas motivações são centrais na origem, na evolução atual e no deslinde desta crise. Ou seja, é o único que realmente interessa na definição dos rumos do País.

Não é feita menção à mídia e às redes sociais. As reações aqui imputadas a vermelhos e amarelos pressupõem a influência daquelas sobre estes. Tampouco é feita menção aos interesses que movem a mídia e/ou as opacas estruturas de fabricação subliminar de notícias sem substrato fático que permeiam as redes sociais.

“Lava Jato” é o termo sob o qual está, aqui, referida toda a judicialização atual da política que não esteja sob a autoridade do Supremo Tribunal Federal

A leitura das tendências é crua e cruel, como estes Tempos.

Tudo fica resumido a três grandes cenários: 1. Dilma fica; 2. Dilma cai, Temer assume; e 3. Caem Ambos, Eleições são Antecipadas

1. DILMA FICA

Se Dilma não vier a ser impedida, o Governo mais provavelmente continuará refém do Congresso, das Ruas e de uma Lava Jato em expansão, se o STF não lhe impuser foco

1.1 A  projeção mais provável para um cenário em que Dilma não impedida não faça a concessão extrema de deixar o Governo é a de um governo sem aderência social nem política conduzido até o fim com alto custo econômico, social e institucional.

Há dois caminhos para Dilma conceder deixar o Governo: a renúncia ou a aprovação da PEC de antecipação de eleições, uma hipótese já ventilada e que seria uma saída honrosa para Dilma.

1.2 A pior projeção desse cenário é a de ruptura institucional.

O nível de tensão atual poderia alcançar o patamar de conflagração – no braço, nas Ruas, no Campo – do qual o País está muito próximo, com escaramuças verbais aqui, agressões pontuais ali, hostilizações por todo lado.

O País estaria na rota da convulsão social. Dilma não teria sustentação política – talvez nem institucional – para decretar Estado de Defesa e conter os extremos de amarelos e vermelhos.

1.3  A projeção mais improvável é a de o Governo atual, se mantido, conseguir recompor sua base política e social, de modo a refundar-se e repor o País num rumo equilibrado e definido. Improvável, porém possível.

2. DILMA IMPEDIDA, TEMER PRESIDENTE

Se Dilma for impedida e assumir Temer, a classe política tende a se acalmar. Temer é considerado um líder moderado e fiel. Fora da classe política, três processos serão fundamentais: Ruas, Campo e Lava Jato. Ruas e Campo poderão se alevantar por Dilma e/ou por Moro.

Bater nos vermelhos é historicamente do ofício. Mas bater nos amarelos exige uma boa desculpa. Para Temer, será importante que os vermelhos tomem Ruas e Campo, porque este seria motivo bastante para decretar Estado de Defesa. Temer teria apoio político para decretá-lo, mas também provavelmente apoio dos amarelos, até que estes se dêem conta do que isso significa para eles mesmos.

Em Estado de Defesa, o vermelhos seriam contidos à força – o que, em si, agradaria os amarelos – mas, ao mesmo tempo, permitiria impedir QUALQUER reunião, inclusive as dos amarelos. Impedir reunião dos amarelos seria fundamental para barrar a Lava Jato, objetivo central do movimento do PMDB de desembarque do Governo em Março.

Para conter a Lava Jato, já está em curso o processo de desconstrução da imagem do juiz Moro, para o qual ele mesmo vem contribuindo com sua parcela de erros.

Com Temer no comando, Moro terá de escolher entre cair para cima ou para baixo. Para cima, com todas as homenagens, ao ser nomeado talvez até para o STJ, sem escala, a depender do momento. Para baixo, por afastamento fundado no abuso de autoridade ou incurso em crime de violação da lei de interceptações telefônicas.

O que importa nesse cenário é que Moro muito provavelmente cairá se firmar pé na Lava Jato sob Temer. O MPF e a PF seriam contidos por rearranjos internos a que governos conservadores estão habituados.

Mas a Lava Jato também é instrumental para Temer e o seu PMDB (porque, como se sabe, há outros). Antes de ser contida,  interessa a Temer que saiam de cena  Cunha, um sério empecilho imediato, e Lula, um empecilho a médio prazo. A queda de Lula já estaria precificada na decretação do Estado de Defesa – quem bate em Dilmistas, bate em Lulistas.

Se a pressão para um acordo de paz assim o exigir, poderá cair também um cacique tucano, e o candidato à vaga, hoje, é Aécio, porque “vingaria” Lula (e Dilma?) e porque interessa a injunções internas a seu próprio partido.

Nesse entretempo, Temer comporia o ministério estelar e liberal que vem prometendo, mas talvez viessa a fazer concessões à esquerda (políticas sociais) num discurso de união nacional.

Nesse quadro, Temer dificilmente deixaria de encerrar seu mandato tampão, mantido pela mesma ordem política que terá sido brevemente posta em questão entre 2015/2016.

3. CAEM DILMA E TEMER, ELEIÇÕES ANTECIPADAS

Se ficarem vagos os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, quem quer que assuma terá a incumbência de chamar eleições em 90 dias. O primeiro na linha sucessória nesse caso, é o  presidente da Câmara. Se vaga a presidência da Câmara, assume o presidente do Senado. Se vaga a presidência do Senado, assume o presidente do Supremo Tribunal Federal.

Todos os cargos na linha sucessória de Dilma estão nas mãos do PMDB, com exceção do Supremo. Se caem Dilma e Temer, o seguinte na linha sucessória, hoje, é Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Se Cunha for cassado, o que é provável e interessa a todo o espectro político não submetido à sua influência direta, assume Renan Calheiros, presidente do Senado. Renan também pode ser cassado, mas sua queda não interessa à classe política: Renan é visto como uma liderança moderada e fiel, assim como Temer.

3.1 Cunha e Renan, se alçados à presidência interina da República, poderão decretar Estado de Defesa, se entenderem necessário, para conterem eventual resistência a seus nomes por parte da sociedade civil. É pouco provável que vermelhos ou amarelos apoiem um ou outro, mas Cunha não se importaria com isso. Renan, sim. A diferença entre os dois é o uso que podem fazer de seus instrumentos de poder.

3.1.1 Renan provavelmente cuidaria de desincumbir-se de chamar eleições com a brevidade constitucional.

3.1.2 Cunha talvez ficasse mais concentrado no exercício da presidência do que na transição.

3.2 A projeção mais improvável é o de a Lava Jato fazer larga limpeza no quadro político atual. Se a judicialização da política chegar às consequências mais óbvias, haja vista (apenas) os réus que hoje se defendem no STF, caberia ao (ou à) presidente da própria Corte assumir a Presidência da República, igualmente com o dever de convocar eleições.

Uma desordem política dessa envergadura desafia qualquer entendimento. Teriam ruído os alicerces dos interesses que sustentam as análises anteriores. O Brasil tem episódios de predominância do Legislativo – no Império tardio, no próprio governo Dilma -, a permear o que é uma história de hegemonia do Executivo. Porém, o Poder Executivo ser transferido de fato e de direito para o Judiciário seria uma novidade absoluta.

Uma novidade absoluta, mas não absurda. O STF, sob a influência primeira e persistente de Gilmar Mendes, inaugurou uma interpretação neoconstitucionalista única, segundo a qual a Corte detém a última palavra sobre tudo na República. O Parlamento entregou há muito tempo seus conflitos internos ao Supremo, a quem recorre como o filho ao pai quando briga com o irmãozinho. Nos últimos anos, o Parlamento mantém uma relação psicologicamente regressiva com o Supremo. E o Supremo mantém uma relação opressiva sobre o Executivo, ordenando que faça isto ou aquilo, com base na interpretação que queira dar a princípios constitucionais, escritos ou não.

Em vista disso, não é impossível que duas projeções como estas possam ser lançadas:

3.2.1 Numa projeção romântica, diante de crise institucional limítrofe com a ruptura e do desmoronamento das estruturas partidárias em vigor, o Supremo poderia definir novas regras para as eleições, impondo uma reforma partidária/eleitoral que viesse a fazer com que a gestão de partidos políticos e o investimento em eleições deixassem de ser um negócio e passasse a ser um ônus para quem queira dedicar-se à vida pública. Candidaturas independentes, quem sabe.

3.2.2 Numa projeção menos romântica, haveria uma ascensão de corpos políticos intermédios e o provável incensamento de algum perfil berlusconiano ou abertamente autoritário. A ala conservadora seguiria com mais vigor em sua curva ascendente atual e a esquerda perder-se-ia  nos usuais rachas internos, agora alijada do poder que exerceu nos últimos 14 anos.

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O cenário 1. é  o mais instável.

O cenário 2. é o mais provável.

O cenário 3. é o mais improvável.

A projeção 3.1.1, entre as improváveis, é o mais indesejável, porque não é de se esperar de Cunha uma muito necessária moderação àquela altura.

A projeção 3.1.2, entre as improváveis, é menos imponderável, Renan muito provavelmente conduziria o processo eleitoral com a destreza que o caracteriza.

A projeção 3.2.1 é, ao mesmo tempo, num cenário de terra arrasada, a mais desejável e a mais improvável.

A projeção 3.2.2 funciona, também, como projeção para o cenário 1.

A projeção 3.2.2 funciona parcialmente para o cenário 2: a ascensão conservadora e a decadência progressista valem também para este, porém a política seguirá caracterizada pela predominância do atual PMDB – com, talvez, a exclusão de Cunha.

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“Governar” é termo com origem náutica – significa navegar, conduzir o navio. No Brasil de hoje, o mar está agitado, mas a tempestade ainda está no horizonte. Ninguém está seguro. Ninguém confia no capitão nem no contramestre. Ninguém confia em ninguém. Marinheiros de amarelo odeiam os marinheiros de vermelho e vice-versa.

Nada disso sugere que a sociedade brasileira vá saber o que fazer quando a procela desabar sobre sua cabeça. Sobre as nossas cabeças.

Ninguém enfrenta uma tempestade com pedras na mão.

Caio Leonardo

2.Abril.2016

Brasil, uma Elegia

A crise evoluiu para a ruptura do Estado Democrático de Direito. Vivemos um Estado de Exceção. Um tal que não é conduzido por um grupo ou uma pessoa, mas que, sim, manifesta-se numa sequência de atos oficiais – oficiais, repito – exarados em violação aberta da Constituição Federal e da legislação vigente, por autoridades altas e baixas dos Três Poderes e do parapoder que é o Ministério Público.

O desarranjo generalizado do exercício da autoridade no País é um mosaico despedaçado que não permite enxergar como manter, muito menos como recompor a Ordem Jurídica como baliza para o funcionamento das instituições e para a paz social.

O Brasil é um País sem lideranças e com uma gente sempre disposta a entregar-se a qualquer rosto que surja na multidão, seja para um beijo na boca, seja para defender o indefensável para manter ou derrubar um governo, seja para que tudo se perca no caminho, se o caminho for o indicado por aquele estranho que surgiu agora mesmo, mas que já amam desde sempre, para todo o sempre, cegamente, até a próxima manchete.

O Brasil nunca recuperou-se do mito de dom Pedro em seu cavalo rampante, espada em riste e independência ou morte. O brasileiro procura um novo Pedro todo o tempo. Não se trata do sebastianismo dos lusitanos: não esperamos a volta do líder desaparecido; o que fazemos é enxergar, na primeira pirueta, um novo libertador, que, como Pedro I, não nos libertará de coisa alguma.

E tem havido piruetas a toda hora, por todo lado, dadas desastrada e desastrosamente por desengonçadas caricaturas de autoridade, postadas desde na primeira até na mais alta instância, por onde quer que se olhe no tecido institucional, puído, esgarçado, rasgado.

O Brasil volta a mostrar-se fiel a esta arraigada tradição, que é a de não se distanciar por muito tempo do perfeito retrato de uma folclórica e melancólica República de Bananas. Esse retrato pesado e sem moldura cai agora sobre o lombo presunçoso e equivocado, irascível e obsessivo, de mais uma geração perdida.

Caio Leonardo

Março de 2015 ou Notas sobre a Volatilidade da Nitroglicerina

Em novembro, 3 legendas disputavam protagonismo político no Brasil: PSB, PSDB e PT. Hoje, esse tal protagonismo é monopolizado por uma única legenda: PMDB.

O PSDB mergulhou na inação que lhe é peculiar. Dois ex-candidatos da legenda à presidência da República ocupam assentos (modo de dizer) no Senado. E não usam da palavra, não esclarecem sua posição, não apontam um caminho. Serra e Aécio não mostram a que vieram. Cássio Cunha Lima foi o primeiro a usar o termo impeachment fora e dentro do Parlamento. Aloyzio Nunes declara que quer ver Dilma sangrar. Nada nessas posturas indica compromisso com o País. Nem mesmo com uma incipiente que seja, inarticulada que seja estratégia de tomada de poder.

O PSB, que quase tomou o lugar do PSDB no 2º turno das eleições presidenciais em 2014, recolheu-se a uma insignificância, mal se ouvem seus sinais vitais.

O PT não se entende com o Planalto – mas nisso está alinhado com todo o País. E tampouco entende-se consigo mesmo. As duas faces de Janos que o caracteriza se bicam todo o tempo: a que articulou o projeto de poder tendo como princípio a legalidade revolucionária (vale tudo pela causa) e a que pregava a ética na política. Uma está encarcerando a outra.

No vácuo impossível de poder, surge devastador e onipresente o PMDB, que tem a presidência do Senado, a da Câmara – e, lá, a presidência da CPI que catalisa as atenções da Nação – e a Chefia de Estado. Sim, a função de Chefe de Estado – que é, internamente, a de compor um governo, uma base de sustentação política – é exercido também pelo PMDB, na pessoa do Vice-Presidente da República.

O PMDB, hoje, não é Oposição, nem apoia a Situação. Hoje, o PMDB – e o PMDB de Eduardo Cunha – é o que mais próximo de Governo o Brasil tem. É a vontade dele – a agenda dele – que prevalece.

O Brasil vive uma crise política, com um Executivo que não governa. E uma crise social, com uma tensão a ser liberada nos Idos de Março.

A incapacidade da Chefe de Governo comunicar-se com o Parlamento e com a população criou a tensão política e social. A economia dá sinais de fadiga devido a vários fatores, que convergem para – e se agravam com – a sua má condução pela Presidente da República.

Se temos um Executivo apoplético, o Senado assiste constrangido a um presidente que perdeu o controle sobre suas circunstâncias e não pensa mais politicamente. Apenas atira para todo lado.

Em meio a tudo isso, temos o que era impensável para um analista até setembro de 2014: uma Câmara dos Deputados protagonista.

A presidente está ilhada e refém de apetites vorazes, mas o Congresso também segue atenazado por uma investigação sem fim nem paradeiro. A maior empresa do País agoniza.

Nesse quadro de instabilidade econômica, política e social, duas manifestações de cores opostas são convocadas para a mesma semana. A primeira, convocada para contrastar a segunda. Nada de bom surgirá destes Idos de Março.

Ainda na vertente de emparedamento do Executivo, Mercadante passou o dia de hoje (11 de março) no foco dos boatos de fritura. Enquanto isso, em paralelo, o Planalto começou, muito tardiamente, a enviar novos emissários políticos para construir pontes e apaziguar o quadro. Os interlocutores políticos mudaram – embora não oficialmente. Temer volta ao núcleo duro. Kassab, Aldo Rebelo e Eliseu Padilha, homem de Temer, são os novos nomes. São sinais ao centro, à direita e à esquerda. São ministros visitando o Congresso e suas bases.

Que não seja tarde demais. Porque o Brasil não pode se permitir retrocessos, nem rupturas que em nada servirão a seu povo, mas tão somente a apetites descompromissados com o País e a ânimos sinceramente exaltados de lado a lado – todos cobertos de razão, mas a um passo de perdê-la.

Um Caminho para o Brasil

Hoje é 9 de março de 2015, e o Governo perdeu o contato com os cidadãos, com o Parlamento e não consegue apresentar uma narrativa consistente sobre a realidade que estamos vivendo no Brasil.

Essa narrativa não tem como ser construída numa Torre de Marfim. É preciso que o Governo faça sua autocrítica e dialogue com seus críticos. Mais do que isso: é preciso que o Governo dialogue na construção de cenários e de soluções com aqueles que serão impactados, positiva ou negativamente, pelas medidas que serão tomadas.

O Governo precisa voltar a se comunicar com os cidadãos, com trabalhadores, com empresários e com o Parlamento.

Faltam pontes – pontes políticas. O Governo precisa ir ao Parlamento ANTES de tomar medidas – e ouvi-lo; precisa ir ao setor privado, com transparência – e ouvi-lo; precisa ouvir as divergentes vozes que falam pelos trabalhadores. Uma vez construída uma solução, o Governo precisa explicar as medidas aos cidadãos, explicar onde estamos e para onde se está querendo ir.

É preciso que o Governo faça uma autocrítica em público e de público. Que assuma ter andado mal aqui e ali, e que pretende consertar com isto e aquilo – ouvindo a todos os implicados.

O Brasil precisa de uma narrativa que o explique. E de líderes que construam uma narrativa que faça sentido para todos. Não se trata de criar consenso ou pensamento único, mas sim de todos concordarem que o vestido é azul e preto, ou branco e dourado, dependendo da luz. Hoje, ninguém concorda sequer que se trata de um vestido. É preciso deixar claro, enfim, qual é a situação atual da economia e das contas públicas. É preciso deixar claro aonde se quer levar o País. No que vamos investir. No que será preciso cortar investimentos – e por quê.

O Brasil só sairá desta crise com Comunicação e Pontes, feitas a partir de Autocrítica e por meio de Diálogo e Construção Conjunta de Soluções.

O isolamento atual do Palácio do Planalto só tem efeitos deletérios sobre tudo o que se construiu – e foi muito o que construímos! – desde 1988.