Um Conto de Duas Cidadelas

O Brasil é uma mãe estranha que prefere ficar deitada no berço a educar seus filhos que não fogem à luta.

Os filhos briguentos da pátria andam cheios de indignação embora nunca tenham tido alguma dignidade para perder.

O medo de uma gerou várias presidências que agora terçam canetas sacadas de três lados da praça, enquanto no quarto lado o Panteão da República, cansado que só, sentado no banco de concreto, parece picar fumo, frágil matuto com o olhar perdido sobre pedras portuguesas.

Soldados desconhecidos loucos pela fama travam uma guerra cibernética armados de pios e posts, protegidos por cidadelas tecnológicas cercadas de batatas fritas, coca-cola, um eventual cigarro e muitos equívocos.

O IP, azul-amarelo ou vermelho, é o símbolo desses Brasis.

Há brasileiros demais sonhando com castelos brancos; execrando o branco do vestido bordado da menina negra; chutando santas de toda cor; ceifando e martelando cruzes; defendendo o indefensável à destra e à sinistra; são brasileiros que atacam a mão na bola do time de lá e não enxergam o carrinho por trás do time de cá, que lincham moral e civicamente em nome da pátria, da família e da propriedade ou em nome do que quer que surja como o oposto de propriedade, família e patriotadas.

De peito enfunado e olhar raivoso, os filhos de Pindorama estão decididos a tomar de volta o seu lugar no bananal das republiquetas latino-americanas.

Se essa é a língua que entendem, que ouçam este Cantinflas a desancar uns e outros. .

Caio Leonardo

Imagem e Ação Política na Rede – Um breve diálogo com Ana Maria Bierrenbach

No Facebook.

 Ana Maria Bierrenbach: Outro dia eu postei imagens (que depois soube que eram falsas) de uma situação de violência contra um bebê, supostamente perpetrada por um membro do ISIS. Mas mudei de ideia e deletei o post em seguida, mantendo, porém, o comentário. Deletei a imagem porque me pareceu que, ao compartilhá-la, estaria reproduzindo, eu mesma, de alguma forma, aquele horror, e indo ao encontro dos interesses desses bárbaros. Há poucos dias, um amigo, Caio Leonardo, fez um apelo a que parássemos de reproduzir as imagens da destruição do patrimônio histórico e artistico no museu de Mosul, basicamente pela mesma razão: seria esse, precisamente, o interesse desses criminosos. Enfim, eu estava com essa questão na cabeça quando hoje me deparei com este artigo do Le Monde: http://www.lemonde.fr/idees/article/2015/02/26/regarder-l-horreur-en-face_4584183_3232.html

A reflexão fundamental é a seguinte: será que o holocausto teria ocorrido se, naquela época, as pessoas tivessem tido acesso àquelas imagens? Será que a situação atual, de imagens encenadas com o objetivo de atrair e não de repelir, é comparável?

Caio Leonardo: Há uma diferença crucial entre, de um lado, a vítima divulgar a atrocidade – e esse seria o caso de um Dachau que ganhasse a Rede – e, de outro, o perpetrador da atrocidade espetacularizá-la. A primeira tem poder libertador. A segunda é a consumação de uma das pequenas vitórias que, no caso do ISIS, alimentam a sedução de novos adeptos pela via da viralização. Pessoas querem se ver no centro do espetáculo da aldeia global – para recuperar uma expressão quase abandonada. Do jeito que for: com seu gato, com seu filho, caindo de skate, cortando pescoços ou destruindo a História. Divulgar imagens dessa segunda natureza é alimentar um monstro caricato, narcísico e sem limites na sua sanha de épater l’Occident. E cada nova monstruosidade pedirá outra maior para superar a anterior em impacto.

 

Ana Maria Bierrenbach: Mas nós, que não somos (pelo menos por enquanto), vítimas diretas, e nem perpetradores, ficamos de espectadores passivos?

Caio Leonardo: Quem pode fazer alguma coisa tem informação e meios – e esses são os Estados-Nações envolvidos ou interessados no conflito. Ao reproduzirmos essas imagens, nos alinhamos com o projeto de um ISIS, nossa crítica ingênua constitui massa de manobra. Podemos e devemos discutir aquilo a que temos acesso, mas sem reproduzir imagens do interesse de entes que são inimigos da civilização que nos envolve e que cabe a nós consertar e defender.

Mais: nós somos vítimas, sim, porque aquelas peças são nossa História, como Humanidade, e aqueles reféns mortos são nossa imagem e semelhança de Ocidentais: é a nós que querem atingir.