O garoto deixa cair a perna do muro.
Deve ser o 8.
Ele avança passo firme até o meio-fio.
Estica o braço.
É o 23.
Faz que não para o motorista.
O motorista freia, para e abre
a porta de saída –
que ainda era a da frente.
O garoto e o motorista se ameaçam
com os olhos
pelo tempo da descida de uma senhora:
sacola de plástico quadriculada,
acelga e bengala amanhecida.
Ela se agarra onde pode.
O último degrau é o abismo.
Os dois aguardam o gongo
enquanto ela aterrissa:
albatroz-de-sobrancelha-negra
de lenço na cabeça.
As asas balançam na direção da
Rangel Pestana.
O câmbio berra, engasga e
o 23 ruge em direção à praça do Correio.
O garoto sente passar o calor do motor,
a porta da frente se fecha com estrondo.
Os olhos se largam: empate.
O garoto dá cinco passos de costas e
finca de novo a sola do bamba no muro –
no último muro de casarão
na Presidente Wison.
As costas no muro,
a palma das mãos entre as costas
e o muro.
Ele sente alívio e incômodo:
no frio do muro branco,
nas rugas grossas do muro chapiscado.
Faz sombra a mangueira
que vem de dentro do casarão.
O garoto recosta, com cuidado,
a sua cabeça no muro, e aplica
um olhar sem direção, ausente.
Ausente, nada.
No outro lado da avenida,
de um certo sexto andar,
Gisela pode estar espiando.
O olhar transita
daqueles seis andares do edifício Itu
para os doze andares do São Rafael… Lá,
mora a professora Mari!… O garoto
deixa cair a perna do muro.
_______