Os sapatos verdes
dormem na filosofia
enquanto a casa vagueia.

A casa.
Os sapatos verdes
dormem na filosofia
enquanto a casa vagueia.
A casa.
Haikai da Mesa de Cabeceira
Lysol, Nívea, Sol,
Sanremo Boulevard,
Samsung, LG, Roche.
Haikai da Outra Mesa de Cabeceira
Rumi, Salinger –
No Caminho de Swann, Proust:
Melville e Stendhal.
A maré alisa
a areia. O siri surge
espalhando brilhos.
両の手に (りやうのて に)
桃と桜や (もとさくらや)
草の餅 (くさのもち)
ryo no te ni
momo to sakura ya
kusa no mochi
Matsuo Bashō – anno 1692
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Abaixo, duas traduções minhas desse haiku.
Tradução livre:
nas mãos, duas flores
pessegueira e cerejeira –
bolo de artemísia
Transcriação:
nas mãos ter os dois:
flores de cereja e pêssego –
bolo de arroz
Caio Leonardo – 27.12.2017.
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Notas às traduções:
Joaquim M. Palma*, na edição da obra completa de Matsuo Bashō que organizou e traduziu pela Assírio & Alvim, nomeada “O Eremita Viajante”, anota que Bashō refere-se, no primeiro verso, a uma fala de teatro Nô: “ryo no te ni hana” – ter duas flores nas mãos – que significa coisa boa, “uma vantagem”. Bashō fala da alegria de comer um “kusa no mochi”, um bolo de arroz feito com artemísia, típico da primavera. Compara essa alegria a ter as tais “duas flores nas mãos”, que também parece ter conotação erótica.
Na transcriação, busquei recuperar o ritmo do haiku e suas rimas. Há uma rima interna nas terceiras sílabas: no/to/no; que replico em ter/de/de. O acento no “de” do terceiro verso fica evidente, porque, não sendo ele “tônico”, o verso ficaria com quatro sílabas, não com as cinco canônicas do haiku (5/7/5).
Para o lugar de “pessegueiro” e “cerejeira”, por métrica, preferi a metonímia com o nome da fruta:
_ _ _ sa/ku/ra/ya”
segue o mesmo ritmo e métrica de
_ _ _ ce/re/ja e/pê*
As três sílabas de “pêssego” não ajudam no ritmo, que foi sacrificado em favor da fidelidade que pude manter à imagem original.
O kigo está na cerejeira, que indica primavera. Perde-se a literalidade da redundância do kigo que há na referência que Bashō faz ao “bolo de artemísia”, também típico da estação. Porém, a escolha por “arroz”, ingrediente típico do mochi, o bolinho a que Bashō se refere, vem permitir replicar a rima do primeiro verso com o último.
Em Bashō, a rima é:
_ _ _ te ni
_ _ _ _ _ _ _
_ _ _ mochi
Na transcriação, fica:
_ _ _ a dois
_ _ _ _ _ _ _
_ _ _ arroz
Com aquele “a dois”, recupero ainda o erotismo implícito nesse haiku: o contexto sugere o poeta com duas mulheres.
As rimas internas impuseram maior desafio e um sacrilégio:
ryo no _ _
momo to _ _ _ _
kusa no _ _
na mão ter _ _
flores de _ _ _ _
bolo de _ _
O sacrilégio está em jogar uma tônica no “de” do terceiro verso, sem o que ele ficaria com apenas quatro sílabas.
*Palma traduziu assim este mesmo haiku:
Bolo de arroz
nas duas mãos –
flores de pessegueiro e ameixieira