Beth Carver. Daily-sailor. http://www.bethcarverart.com
Há um Aldir Blanc em mim, que vem de lá de São Vicente, terra de misses e pivôs, perfume barato e Afonso Schmidt. Foi ali que aprendi que toda beleza é relativa, que pela semana eram belas as meninas uniformizadas em azul escuro, com o R branco do Raquel; que no fimdesemana vinham belas as paulistas, que não usavam uniforme, mas umas coisas que não tinham nada a ver com praia: brinco, relógio, essas coisas de gente que a gente chamava de paulista, ou fresca.
As meninas do Raquel moravam logo ali na rua Japão, de onde saíam os barcos dos pescadores da Colônia Z-4, que emprestava um canto para a escola, ou na México 70, a maior favela da cidade, que nós gostamos é do que é grande, como a conquista do Tri e caranguejo no Boa Vista. As paulistas desciam a serra para nos ver jogar mini-tênis e futebol, e dizer que eu era sem sal – aquilo doeu, Aline (é, eu lembro do teu nome, e eu tinha só 15; nós nunca mais nos vimos, mas eu lembro: doeu).
Um dia, eu já devia ter uns vinte anos, vi a R. na praia da Ilha Porchat, aonde o pessoal do Raquel nunca ia – eu achava, mais menino, é que porque era longe. Nos cumprimentamos, ficamos felizes de nos ver, ela que havia chorado uma vez, nós aos 12 ou 13, quando fiz que não queria ser mais seu par no grupo de dança do Vira da escola: quanta crueldade cabe numa criança? Ela estava linda de branco quando chorou – vestido rodado e rendado, de caxopa se tu queres ser bonita.
No contraste entre as jóias do fimdesemana, nos dois sentidos, e a R., que era loira e dançava comigo o Vira no grupo folclórico do Raquel, foi que descobri a teoria da relatividade: toda beleza é circunstancial, relativa, ambientada.
Mas quando a vi na praia, aquele outro dia anos depois, na praia proibida a quem do Raquel, a praia que ainda era dos paulistas no fimdesemana, hoje não mais, vi que Roberta era uma menina daquelas que a lida com o fogão deixa marcas na pele, pele macerada, macilenta, pele sem os cuidados de pele das outras meninas ali, que nem me achavam mais tão sem sal, vai ver que de tanto mar, de tanto sol, de tanto do mesmo, das mesmas circunstâncias, circunstâncias tão diferentes das de R., um dia tão linda.
Não vejo derrisão no poema de Aldir Blanc. Vejo a mim mesmo sinceramente fascinado por Roberta, como até hoje assim, sinceramente.
R. foi minha miss suéter. Mas também minha Iracema.
Eu perdi o seu retrato.
caio leonardo
Beth Carver. http://www.bethcarverart.com
MISS SUÉTER
João Bosco e Adir Blanc
Fascínio tenho eu por falsas louras
(ai, a negra lingerie),
com sardas,
sobrancelha feita a lápis
e perfume da Coty…
Na boca,
dois pivots tão graciosos
entre jóias naturais
e olhos tais minúsculos aquários
de peixinhos tropicais…
Eu conheço uma assim,
uma dessas mulheres que um homem não esquece.
Ex-atriz de tv,
hoje é escriturária do INPS
e que, dias atrás,
venceu lá o concurso de Miss Suéter.
Na noite da vitória,
emocionada,
entre lágrimas falou:
– Nem sempre minha vida foi tão bela,
mas o que passou, passou…
Dedico este título a mamãe,
que tantos sacrifícios fez
pra que eu chegasse aqui,
ao apogeu,
com o auxílio de vocês…
Guardarei para sempre
seu retrato de miss com cetro e coroa
com a dedicatória que ela,
em letra miúda,
insistiu em fazer:
Pra que os olhos relembrem,
quando o teu coração infiel esquecer…
Um beijo, Margô.