Outras portas da percepção

“Il faut être absolument moderne”, bradou Baudelaire famosamente. Hoje, século e meio de pois, ainda é impossível ser totalmente moderno. Em tudo há o peso de todos os séculos. Digo eu, nada famosamente, sobre o viver no século 21:

“Il faut être infatigablement curieux”.

É preciso ser curioso. Querer saber. Perguntar. Procurar. E mergulhar nos caminhos que a curiosidade abre.

Aberta a porta para a curiosidade, esquecer qualquer objetivo, qualquer foco: deixar-se ir e apreciar a paisagem que surge enquanto as descobertas se sucedem.

A melhor maneira de sair do mundo imposto pelas circunstâncias, de sair da rotina do trabalho, da casa, da cidade, dos amigos, é deixar-se ir sem rumo para dentro do conhecimento. A cada coisa que chame a atenção, parar e olhar dentro; e, de dentro do dentro, entrar ainda mais fundo; ou sair e abrir a próxima porta, caixa, liame, sítio.

A internet permite esse passeio caótico e enriquecedor. As ruas de uma cidade desconhecida, também. Donde, viajar. Viajar também pela própria cidade. Ao redor do próprio quarto, como Xavier De Maistre.

Outro dia, fui ao Pólo Sul. Lá, encontrei a Baía do Paraíso, que é mesmo paradisíaca. De lá, passei pela estonteante Coronation Island, que me levou às Ilhas Sandwich, cujo nome me levou a caças à raposa na Inglaterra, que me levaram a Manor Houses, que me transportaram à Irlanda, onde fui passear pelo Liffey, que me lembrou Joyce, que me deixou em Trieste com Italo Svevo, que me abriu caminho para descer pela Bota e assim, em menos de uma hora, eu havia saído do Pólo Sul e estava em Roma, louco de vontade de ser Mastroianni diante de Anita, o que me remeteu à memória de quando estive, em julho passado, na companhia de Alexandre Olive, ele mesmo uma descoberta no caminho de outras descobertas: Alexandre me apresentava a vista espetacular do SkyLounge do DoubleTree Hilton, quando, diante dos nossos olhos muito abertos e muito curiosos, surge uma figura icônica recostada na altíssima empena cega do nieuwe filmmuseum, que se chama, muito apropriadamente, Eye. Estava lá uma improvável Anita Ekberg, imersa na inevitável fontana di Trevi, porém emergindo gloriosa, absurda, em meio ao estuário do porto de Amsterdam. Para quem ousasse ver. Para quem tivesse tido a curiosidade de olhar.

Anita in the Eye
Anita in the Eye

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