Este é “Norham Castle at Sunrise”, William Mallord Turner foi o homem que o pintou, entre 1835 e 1840. A primeira vez que vi um Turner foi em 1995, na Tate Gallery, em Londres, e foram logo vários, havia uma ala inteira dedicada a ele – mas não entendi por quê. Achei-o insosso, indefinido, apático: inglês. Não gosto do amarelo tanto quanto Turner gosta; e gosto menos ainda de suas associações com o vermelho, tão usuais nos óleos de Turner.
Porém, insosso e indefinido era, constatei depois, o meu olhar ainda romântico, ainda não preparado para um pintor que foi impressionista quarenta anos antes de Monet. De 1829 a 1837, os óleos de Turner mudaram cada vez mais profundamente na direção de representarem efeitos de luz, em detrimento dos aspectos figurativos do que fosse o objeto de sua pintura. Foi essa mudança, essa nova fase, que fez dele um precursor do impressionismo. Desde então, amarelo continua amarelo, amarelo com vermelho continua detestável, mas, ah!, como Turner para mim, hoje, é outra coisa…
The Fighting Temeraire Tugged to Her Last Berth to Be Broken up.
1838. Oil on canvas. The National Gallery, London, UK.
Precisei de sete anos de hiato, e da visão, em especial, de “Calais Pier” (1803), noutra ala dedicada a ele, esta na National Gallery, para a grandeza e o vigor de Turner ficarem evidentes para mim. A violência das ondas sobre o píer avivou a memória do mar arrebentando nos molhes de São Vicente, ou castigando a amurada na Ponta da Praia, em Santos. Os olhares desesperados das mulheres, antevendo a desgraça que se insinua sobre o barco cheio de passageiros que se aproxima do píer para aportar, são de um vigor e de uma força que só se vêem em Turner. Ele teria mesmo visto uma cena como a que representou em “Calais Pier”: cena em que ele próprio quase fora tragado pelo mar. O modo como o mar se move nesse óleo denuncia uma intimidade de viajante. Só o sabe quem sabe a que sabe o mar. Pois o mar é que acabou tragado pelos olhos do artista e encerrado numa tela formidável.

1803. National Gallery, London
Turner nasceu em Londres, em 1775, filho de um sujeito interessante: era barbeiro e, saboreie: peruqueiro. Nenhum gentleman pensaria em ir à coroação de George III, em 1761, sem sua perriwig empoada em branco-vivo. E que fique claro que peruca não era coisa para mulheres. Pai e filho foram muito próximos até a morte do pai, em 1829. Devia ser muito interessante a relação entre os dois, e a dos dois com Londres. Sua mãe teve história menos doce: enlouqueceu e morreu internada em 1804 – não devia ser para qualquer um (ou uma) aquele mundo de cores, navalhas, cavaletes, pentes, pincéis, loções, paisagens e perucas.
Aos 27, Turner já era um “full member” da Royal Academy. Desde os 18 seus quadros já eram disputados. Aos 14, andava inacreditáveis quarenta quilômetros por dia, fazendo desenhos e aquarelas. A partir dos 17, expandiu essa coisa de perambular e esboçar e aquarelar o que houvesse pela frente para além da Inglaterra, se aventurando País de Gales e Escócia adentro. Marinas e campo lhe interessavam. De seu barquinho, pintou várias vistas do Tâmisa.
Gosto particularmente das suas marinas. Do vigor no movimento das ondas sob a tempestade, dos barcos, navios – em perigo ou majestosos, silentes. Coisa de ilhéu. Daí vem também o fascínio inicial que senti com “A Tempestade”, de Shakespeare. A primeira cena da peça, que revela o desespero a bordo de uma embarcação prestes a ir a pique, são o lado de dentro, as vozes, de alguns dos quadros de Turner.
Ele foi um homem recluso, nunca teve propriamente amigos que não seu pai. Teve várias companhias femininas, teve filhos que um pudor esquecido chamava de “naturais”. Mas nunca alguém realmente próximo. Ninguém o podia ver pintando. Freqüentava pouco as obrigações da Royal Academy. Aos 71, levou sua reclusão ao extremo: desapareceu. Passou os últimos cinco anos da vida hospedado numa estalagem paupérrima em Chelsea – ele, um homem que fizera fortuna com a pintura, ali passou a viver escondido até mesmo da dona do lugar, que nunca o reconheceu. Turner morreu um dia depois de descoberto na estalagem.
Republicou isso em The Elephant & Buckete comentado:
Esta é uma boa noite para Turner, suas tempestades, seus mares em ressaca, seus naufrágios. Talvez mitigue o excesso de calor e a escassez d’água.
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Quando estava lendo a parte em que você fala da A Tempestade imediatamente me veio à cabeça a ária “Ozean du Ungeheuer” cantada por Birgit Nielsen. Belo texto..
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