Mais Coragem do que Homem

Hoje, um dos carcarás que são meus vizinhos, já são quatro, siava por aqui e notou minha existência na varanda, enquanto eu descansava os olhos nele mesmo, carcará, que ave linda.

Atravessou duas vezes a avenida que corta o condomínio. Na segunda, abriu as asas imensas para reduzir a velocidade e olhar bem pra mim. Olhou, virou a cabeça, olhou, tudo muito rápido. Seguiu, retornou para o poente, foi-se com o sol.

Imaginei o que fazer para ele ficar ao meu lado um pouco. Aqueles silêncios entre predador e presa, os papéis mal-definidos, quem é quem e quem quer o quê. Eu só queria vê-lo de perto. Altivo, forte, o rostro carrancudo, formidável. E se ele tivesse pousado na minha mão? No meu braço? As garras são grandes e afiadas, maiores do que a minha mão. Teriam me machucado. Poderia ter bicado meu rosto, meus olhos. Poderia ter aceitado um afago. Bicado a outra mão, se achasse que fui longe demais no cafuné pelas asas. Dado uns pulos em volta de mim no sofá redondo da varanda. Estranhado a cadeira preta em meio ao claro da outros móveis. Poderia ter bicado o pneu da cadeira, e isso sim seria uma chateação.

Queria era que ele tivesse pousado aqui. Que se sentisse à vontade do meu lado. Se me atacasse, também teria gostado. Assim, teria uma história para contar, não um flerte.

(foto: Flavio Cruvinel Brandão)

Chove na Varanda

Queria poder dar a alguém
O amor que eu tenho pela chuva.
Olhares que troco com as nuvens,
Conversas com gotas que dançam.

Sonho sonhos que só com ela,
Ouço o que ela diz com atenção,
Deixo meu rosto na janela,
Largo meu corpo na varanda.

As luzes ficam embaçadas,
Os vidros, a minha visão.
Tudo é como fazer amor,

Quando chove no meu terraço.
Entregue silente a ninguém,
abre-se a ela o meu abraço.

Caio Leonardo, na varanda escura e molhado de chuva