(Lembranças distantes de leituras de Pierre Clastres)
Índios não-aculturados (que não foram contaminados pela cultura do branco) e que viviam em sua sociedade tradicional morriam ao serem escravizados. Não faziam as tarefas que lhes impunham. Morriam de desgosto.
O índio não reconhece a ideia de comando. Ninguém manda num índio.
O cacique é quem detém a fala, mas uma fala que é a das origens da tribo, suas lendas, seus costumes: ele carrega as representações que geraram e os mantêm juntos naquela sociedade. O cacique fala à tribo e pela tribo, mas não diz o que um ou outro índio ou índia deva fazer.
O pajé é o senhor da vida e da morte, o detentor do conhecimento e dos ritos de cura, nascimento e morte. O pajé não manda em ninguém. Os membros da tribo submetem-se à sua autoridade, mas não a suas ordens. Os índios só riem de duas coisas: do pajé e da onça. Eles riem daquilo de que têm medo. O pajé dá medo, porque ir ter com ele é porque se está com a vida a perigo – como quando aparece uma onça.
O índio não se submeteu à escravidão, porque não concebia que alguém mandasse nele.
Não foi porque era perguiçoso. Foi porque sequer entrava na cabeça dele a mera ideia de não ser livre.
(foto: Caetano Scannavino – Tribo Zoe)