Breve Manifesto em Defesa d’A Gente

Breve Manifesto em Defesa d’ A Gente
(para o Thiago Jabor, como uma desculpa)

Atire a primeira crase aquele que nunca invejou -ou pior,
temeu! – o uso pronominal do “one” ou do “uno”, que a gramática portuguesa não registra.

Pois não temos? Temos!

“A gente”: pronome reto singular NEUTRO. Um singular singular, porque sempre é singular, mesmo quando é plural.

“A gente” é evidentemente um pronome, no que “substitui o nome de um ser [e o situa] em relação à pessoa gramatical do discurso”.

“A gente” não é meramente um “nós” em clave ignara. É um fenômeno linguístico talvez único.

A pessoa de “a gente” é ambígua, complexa, vaga, rica: é ora uma terceira reflexiva neutra, ora a tal primeira do plural. É terceira conforme substitua, estranhamente, uma primeira pessoa modesta ou esquiva; é terceira, também, quando substitui um ente indefinido; mas é primeira quando substitua mais de uma pessoa entre as quais esteja eu, mas não necessariamente eu, se é que me entende.

Importa, aqui, (poderia dizer: “importa pra gente”) ressaltar o registro neutro desse pronome. “A gente” é neutro, tanto que não é neutra, embora possa ser, se quem fala é feminino: ou seja, sendo terceira pessoa, adota o gênero da primeira…

Quando neutra, é reflexiva (no sentido de filosófico, não gramatical) da mesma forma como “uno” e “es” é: é uma terceira pessoa projetada para além do eu, porque pode ser, a um só tempo, eu (“A gente escreve por melancolia…”), tu (“A gente não tem mais o que fazer?) ou aquele ele-ela sem gênero (“A gente anda triste pelas ruas com essa situação toda”).

“A gente” é um pronome que surgiu do gênio da… gente brasileira, que reinventa a língua, expande a língua, mostra a língua para os gramáticos.

O fato semântico-semiótico-gramatical é que, enquanto “one is” e “uno es”, a gente é o que a gente quiser que a gente seja.

E olha que eu nem incluí Você nesta confusão. Você sabe, Você, de vez em quando, se comporta como a gente: às vezes, neutro; às vezes, como eu; às vezes, como tu; às vezes, até como nós!

A gente e Você são duas válvulas de escape para uma língua presa. Uma lingua que quem entende é só a gente – Você e eu.

Caio Leonardo​

Chove na Varanda

Queria poder dar a alguém
O amor que eu tenho pela chuva.
Olhares que troco com as nuvens,
Conversas com gotas que dançam.

Sonho sonhos que só com ela,
Ouço o que ela diz com atenção,
Deixo meu rosto na janela,
Largo meu corpo na varanda.

As luzes ficam embaçadas,
Os vidros, a minha visão.
Tudo é como fazer amor,

Quando chove no meu terraço.
Entregue silente a ninguém,
abre-se a ela o meu abraço.

Caio Leonardo, na varanda escura e molhado de chuva