Esse pássaro gordo
marrom, comprido
de cauda longa e
cara de sujo de terra
apareceu de novo na pitangueira
pegada à minha janela
que fica fechada no calor eterno de Brasília.
Ele é um pássaro feio
mas incomum.
Feio e incomum.
Hoje é um dia feio e incomum,
e não sei que nome dar
a esse vizinho
nem ao que sinto e desejo
neste dia feio e incomum.
Mas que diazinho feio e incomum!
Vou xingar, mas nem chego perto de abrir a boca.
Devia tomar um captopril,
mas dona Marlene me traz melancia –
ela tem um ar curioso agora à tarde,
a dona Marlene.
O pássaro gordo e sujo adoraria
chafurdar nesse pratinho de melancia
sobre a mesa de trabalho:
seus pés escorregariam nos jornais
que rasguei mais cedo
e sua asa cor de sangue pisado
derrubaria
a água até agora intacta
mas que já atravessou esta sala pelo menos
três vezes
prefiguradamente. Como a outra de mais cedo.
Parece uma enorme e gelada
teia de aranha
essa trinca na tela do computador.
Se a mesa não ficasse colada à janela
eu a abriria
e faria algum som estúpido para o
pássaro gordo e marrom
com suas asas de sangue pisado
entrar e chafurdar na melancia.
…
Como a melancia.
A janela mantém o quintal calado.
O sol arde sobre a pitangueira.
(Mas que diazinho feio
e incomum!)
Qual é o santo nome daquele pássaro?
Quando diabos este dia vai terminar?
Hoje não acaba tão cedo.
Hoje não acaba tão cedo.
Hoje não acaba tão cedo.
A janela fechada mantém o quintal calado,
a pitangueira está quieta,
o pássaro sem nome
está por aí,
carregando a sua feiúra incomum.
– caio leonardo
24.1.2018