Ao pé do morro do Elefante,
na Chapada dos Veadeiros,
a caminho de São Jorge,
a noite seria escura, madrugada fria,
luz tímida de fogueira,
galhos retorcidos, capoeira.
Seria noite escura,
as gentes eram espigas que surgiam da lenha ardente
e se procuravam porque era festa
e em festa a gente se procura,
e aquela gente balançava,
porque era festa,
porque era noite,
noite sem lua,
noite que seria escura.
Veio o sorriso de Jai, a caipirinha de melancia,
a mãe e a filha, e os espíritos tantos
que dançavam apesar da música
que era boa como o scotch goiano
que me aquecia a mão.
Seria escura a noite,
não fosse aquela estrela no ombro do horizonte.
Na Chapada, as estrelas brotam do chão,
como os cristais.
E do chão o olhar foi subindo
subindo pelas frestas da noite
no ombro infinito do horizonte da savana
As estrelas, aquilo se expandiu,
a cabeça rodou do leste ao longe,
e voltou àquela primeira estrela-planeta –
ponto fixo no mar agitado.
Já não era noite escura,
a quase náusea de imensidão cedeu,
e dei outra volta pelo céu do cerrado.
Apeei onde a vereda era tomada de uma poeira
que se alargava e se espremia,
poeira espalhada,
levantada de carro e cavalo,
mas no céu,
poeira do calcário da terra no céu,
pó de pedra de trilha
suspenso no insondado:
a Via Láctea no Alto Paraíso.
Não era noite escura,
e eu já contava onze riscos no céu,
onze enquanto dançavam.
Quando contei o que contava,
uma indignação astronômica percorreu a capoeira
e os tufos espigados tiraram os olhos do fogo
e foram buscar giz no céu.
Um giz fugaz.
Um giz raro
que corta e
marca e
some
na lousa do universo.
A música da festa parou
por incompetência e sorte:
aquela gente que se procurava
que se balançava e fogueirava
parou.
Na noite que era de ser escura,
as Perseidas cruzavam o assombro que nos cobria.
caio leonardo
inverno de 2016