O fim do mundo já aconteceu talvez mais vezes do que as pre-visões que fazem a graça de estar vivo neste fim… de ano. O zunzunzum em torno de 2012 é um patrocínio das redes sociais e de um gosto pelo banal, por qualquer ideia mal formada, porém repetível até o absurdo, adquirido pelas mídias desesperadas por sobrevivência num mercado sempre mutante – no caso delas, para o mal ou, mais hodiernamente, para o fim. O mundo em que as mídias tradicionais surgiram, de fato, acabou. O novo mundo da revolução tecnológica oferece-lhes um piso móvel, viscoso, oblíquo, de comportamento caótico, o perfeito oposto à certeza bucólica da banca da esquina. Essas mídias contam agora com a fascinação que a leitura escatológica do calendário maia possa exercer sobre leitores.
Praticamente todos os meios de comunicação vêm divertindo seus leitores com o “fim do mundo”, um tal que ninguém nele acredita, a ponto de várias empresas usarem a coisa como mote de publicidade de seus produtos. Festas estão sendo marcadas para celebrá-lo. Uma cidade na França está cercada pela polícia, por causa do abrigo ali feito para agasalhar os apocalípticos.
The Economist, a venerável revista inglesa que os brasileiros aprendemos a odiar, semana sim, semana não, conforme o tratamento que dê a este nosso Gigante recem-acordado, aparece desta vez com o gráfico abaixo, que mostra umas tantas predições malogradas de fim de mundo:
Pois bem. Esta é a má notícia: o mundo vai, mesmo, acabar. É inexorável. Pode acabar ainda hoje, 20 de dezembro de 2012, basta que uma descarga de raios gama, vindo dos confins da galáxia, atravesse e reduza a nada nossa atmosfera e tudo o mais que aqui existe. Para que um grande asteróide choque-se com o planeta, pelo menos até agora, basta que ele exista e venha em nossa direção, o que só será percebido pelos nossos bravos cientistas uma ou duas semanas antes do impacto. Se uma coisa ou outra não acontecer, um dia certamente o sol morrerá. Muito antes disso, terá engolido os três primeiros planetas do seu sistema, nosotros inclusos. Isso tudo bem sabemos quase todos.
Agora chego com a ladainha ambiental. Bem antes de o sol engordar, terão acabado na Terra o ferro, o hélio, o silício, o granito, o mármore; a diversidade biológica, o atual patrimônio genético; talvez as montanhas todas terão sido reduzidas a montículos, depois da extração de tudo que nelas se contenha; a água doce natural; e o que mais se possa agregar nessa conta de tudo o que o homem (e a mulher) extraem da natureza – tudo feito e desfeito, quem diria?, como se não houvesse amanhã.
A lenga-lenga ambiental é o grande calendário contemporâneo de um “fim do mundo” causado pelo homem. Porém, nem mesmo a mais correta agenda ambiental impedirá a consumação dos dias, porque assim é o universo, percebido já por Fernando Pessoa, na sua Tabacaria:
“Ele [o dono da Tabacaria] morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.”
Qual a conclusão disso tudo, o carpe diem? Bem, façam como preferirem. De minha parte, sigo essa mesma filosofia do Pessoa via Álvaro de Campos, e o faço mais por concordância do que por adesão:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Que isso quer dizer? Que a vida não tem sentido, apenas direção – e ela dirige-se para a morte. Todo o resto é construção da imaginação humana. Usar a imaginação para viver bem, lançar um olhar generoso e de veneração a tudo quanto existe, vivo ou não vivo; oferecer um legado, em lugar de deixar uma lacuna: Isto bastará, mas não terá sido fácil.
Caio Leonardo, um dia antes