A Roseira e a Roda

Joan Miró. Natureza morta com rosa. 1916.
Oil on cardboard. 77 x 74 cm. Coleção particular

Que há num chapéu-mexicano que possa fazer alguém feliz? Não era um chapéu-mexicano, era um outro desses brinquedos de parque de diversões que seguem sendo os mesmos desde o tempo em que o Brasil descobriu os chapéus mexicanos, precisamente em 1970. A coisa girava horizontalmente, era colorida e tinha crianças dentro.

_ Então é um chapéu-mexicano, oras. Se fosse vertical, era roda-gigante.

Ele entendia dessas coisas, parece, mas não entendia Leda.

Fez a curva em frente ao parque de diversões dentro do Parque da Cidade. Uma curva doce como as curvas que faziam os brinquedos sob o sol, manhã, verão e férias. Tirou o pé do acelerador e fez a curva por fora, prolongadamente. Afundou no banco para ver o volante como via quando filho, como fazia quando pegava o volante do carro do pai – ombros encolhidos, sonoplastia com a boca, carrinho de corrida. Matchbox. Deitou o corpo para a esquerda, Fittipaldi. Enquanto passava lento pelo parque, foi se perguntando o que podia fazer alguém feliz, já que ele não conseguia com Leda. Girar, girar, gritar, cores, crianças. Ser criança. Mas ele falava como criança com ela!

_ Não o tempo todo, claro, que eu sou um homem maduro, oras.

Se recompôs num quase salto. Pigarro, segunda marcha. Ajeitou o cabelo, a gravata. Maduro, oras. Faz horas que estou tentando entender o que acontece, o que falta, o que sobra, o que faz essa mulher girar, gritar, ser criança. E nada. Que é que um chapéu-mexicano tem que eu não tenho?

A resposta seria simples, se a questão fosse de engenharia. E ele se perdeu em devaneios técnicos sobre resistência de materiais, força centrípeta, quantidade de movimento, momentum, e momentos se passaram – o parque inteiro passou, e o posto de gasolina passou, e o cartão de crédito não passou, débito por favor. Muito se passou até que, entre considerações irrelevantes sobre que queijo comprar e quando mesmo é que devia pagar a lavadeira, ele se lembrou de que queria era saber como fazer Leda feliz.

_ Foco, ele disse. Como me cansa essa coisa de palavra da moda. Agora, todo mundo fala em foco. Antes era “objetividade” para cuidar da mesma coisa. Nem foco nem objetividade: eu continuo aqui me perguntando a mesma coisa, neurótico.

E começou a cantar a canção que não saía da sua cabeça desde cedo. Demis Roussos, claro, que ele odiava amar e o matava de vergonha. Culpa do festival internacional da canção, tentava explicar. Não tinha jeito. Forever and ever… a música batucava na sua cabeça metódica.

_ É ele, desgraçado!

Tinha certeza, agora. Era ele. Aquela bata balofa, aquela barba imensa, aquela balela sentimental. Pronto. Resolveu destruir o “disco” ainda aquele dia. Demis Roussos, desgraçado!

Identificado o responsável pelo seu fracasso amoroso, começou a fazer uma lista dos motivos para odiar os gregos, mas parou logo depois de repassar as tais críticas fáceis ao platonismo e maldizer o fato de dizerem que ele se parecia com Yanni. Parou por preguiça, na verdade. Odiava acima de tudo ficar repassando o alfabeto inteiro querendo se lembrar de um nome. E quando o assunto exige memória para coisas como Anaximandro e Filocteto, melhor voltar ao chapéu-mexicano.

No caminho de casa, parou no bar do Sudoeste que “os amigos da Leda é que freqüentam, oras”, pensou para si, se defendendo de si mesmo, mas ele não enganava ninguém, nem os seus pensamentos.

_ Alguém que abandone um lugar chamado “Porcão” pra fundar um que se chama Fausto & Manuel definitivamente merece meu respeito. Espero que ela não esteja aqui, nem os amigos dela, que senão vou ter de dar atenção a eles, falar com ela, ela bem que podia estar aqui, eu até que gosto do jeito do André, a não ser pelo futebol, sempre futebol. Onde ela está que não chega?

Sentou, pediu, ficou quieto, remoendo. Remoeu as vontades e os silêncios dela. Remoeu as suas próprias atitudes, as atitudes dos amigos dela. Remoeu sua falta de amigos, que coisa chata isso de dar atenção. Remoeu as suas próprias vontades, suas manias adquiridas, arraigadas. Remoeu. Remoeu até voltar a essa história de que… dar atenção é coisa chata. Parou.

_ Ai.

Perdoou Demis Roussos. Até cantou umas três vezes o refrão. Perdoou muitos e muitas coisas depois de muita, muita tequila, que pediu sem notar por quê. Quando o mundo começou a girar, perdoou a si mesmo. As voltas que o mundo dá.

De algum jeito, se viu em casa e o mundo girava. O mundo girava como um chapéu-mexicano. Sonhou com crianças girando, girando: o mundo girava. Sonhou com uma voz feminina gritando o nome dele, gritando e girando, doce e infantil, ela gritando e girando. Ele sonhou que o mundo girava, forever and ever, nas voltas do seu coração.

O Caso Covaxin: O Meio é a Mensagem

A chave da gravidade do caso Covaxin está em quem o revelou, onde, quem foi poupado e quem foi atacado.

Arthur Lira tem mais de centena de pedidos de impeachment em suas mãos. As ruas pediram a queda de Bolsonaro em dois fins-de-semana diferentes, com público crescente. Para Lira, impeachment só anda se for vitória sua. A Covaxin cria o ambiente político para que Lira e seu grupo sejam vencedores.

Luís Miranda foi o primeiro parlamentar do DEM a apoiar a candidatura de Lira contra o candidato de Maia, do mesmo partido. Miranda continua no DEM, do qual Maia foi expulso.

Miranda fez essa revelação na CNN, rede que deu claras evidências de alinhamento com um conservadorismo que tolera a extrema-direita. Mas que critica o governo.

Miranda poupou Pazzuelo, general da ativa, chefe da pasta responsável pela compra da Covaxin, e atacou diretamente o Presidente da República.

Lira agora tem um caso para impeachment vindo do Centrão.

Isto explica a rara coletiva do governo, que correu a se defender, mostrar documentos e usar a bíblia: O sinal da denúncia é de que o Governo teria perdido o apoio do presidente da Câmara. Entregaram Salles em edição extra do DOU, totalmente desnecessária do ponto-de-vista administrativo.

Resumo da ópera: a porta está aberta para um pedido de impeachment vindo do Centrão.