D. hominis

A mosca varejeira entrou pela biblioteca – 

mais um parágrafo

                                e a angústia acabava.

A mosca varejeira descobriu minha presença –

o parágrafo ficou mais distante.

A mosca varejeira decidiu pelo meu cabelo –

a angústia se esgotou em raiva.

A mosca varejeira faz um barulho danado,

não demorou e já era o bicho nocivo da casa velha, lá em São Vicente.

Inimiga antiga.

A mosca varejeira que fazia um barulho danado levou um voleio da edição de bolso das Selected Short Stories de Guy de Maupassant.

E aquele parágrafo morreu ali, abatido pela dúvida insondável:

O que ela queria?

Talvez, que eu lhe abrisse a janela

ou lhe desse atenção – sua vida são sete dias

sem companhia; eu, que passei

tantas vezes sete dias sem companhia,

não me importo. Mas e ela?

Uma vida adulta que começou pela cópula

e se estendeu pelo nada. A dela. Ou a minha?

Sua vida foi voar, zumbir,

pertubar um sujeito angustiado, quieto no seu canto e que procurava palavras.

Nunca uma banana. Nunca o gosto ainda fresco de iogurte grego na lâmina de alumínio.

A mosca varejeira agora é aquela angústia que saiu do parágrafo e foi impressa,

como mancha,

na topo da capa amarela, debaixo do pé do pinguim.

……….

Caio Leonardo

Dodecaedro Dodecafônico

Fale de mim, Tempo.

Conte de mim.

Não que eu queira ouvir as histórias que sei

ou as que esqueci.

Conte o que fez de mim

enquanto descobria Raymond Carver;

o que esculpiu na minha carne

enquanto eu preparava a infindável refeição.

Sussurre o que não percebi que acontecia

em volta:

fale da minha ingenuidade obcecante.

Estou contente com o que sou,

apenas que ouvir outras vozes do Tempo

faz do homem um dodecaedro,

a vida vista e vivida por doze faces

que ouvem doze vozes dodecafônicas.

Diga, Tempo, o que tiver a dizer,

que a chuva está passando

e com ela vai a melancolia.

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caio leonardo 1° de maio de 2019