TRÊS ANOTAÇÕES SOBRE A MORTE DE ARTHUR

Uma única vez, estive no escritório do prof. Fabio Konder Comparato, de quem tinha sido aluno. O assunto não era acadêmico – ele nunca teria tido motivo para me receber por algo do gênero. Estava lá, com gente grande, para pedir-lhe um parecer.

A uma certa altura, uma personagem foi citada, não me lembro qual, e ele então comentou, não com a gravidade que o define, mas com uma expressão entre tristeza e pânico:

__ Com ele aconteceu o que não desejaria para o meu pior inimigo: Ele perdeu o filho.

Década de ‘90. Foi nesta cena que comecei a me dar conta da dor dos meus próprios pais com o que aconteceu a mim mesmo, aos 22 anos.

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Drummond perdeu a filha, Julieta, a pessoa que mais amou em sua vida. Morreu uma semana depois, de tristeza.

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Pedaço de Mim

Oh, pedaço de mim

Oh, metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior do que o esquecimento

É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim

Oh, metade exilada de mim

Leva os teus sinais

Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco

E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim

Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim

Oh, metade amputada de mim

Leva o que há de ti

Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim

Oh, metade adorada de mim

Lava os olhos meus

Que a saudade é o pior castigo

E eu não quero levar comigo

A mortalha do amor

Adeus

Chico Buarque

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