O Evangelho Segundo Don Teodoro

Todo parece tan natural, como siempre que no se sabe la verdad.
Júlio Cortázar, “Carta a una Señorita en Paris”

Em Buenos Aires, bebe-se Pepsi – agora entendo que, de quando em quando, aconteça de um rapaz vomitar coelhinhos num elevador da calle Suipacha. A cerveja Quilmes caiu em merecida desgraça, mas ainda pode ser vista pela noite de Palermo Soho em roupa de marca, um modelo deselegante em vermelho e dourado, onde se lê um desesperado Imperial. Nessas ocasiões, se for outono, é possível que a lua apareça de madrugada e nesse momento um rapaz de barba universitária tropeçará na longa cauda da noite ao atravessar a rua, e esbarrará na mesa da esquina oposta. Ele quer a todo custo que acendam seu cigarro. Seja gentil.

Não ficou claro quando Fernet Branca subiu para as mesas da Recoleta, mas o fato é que hoje está por todo lado, e todos a bebem, menos a classe alta, observou Pablo para depois conceder que também os jovens da classe alta bebem Fernet Branca, porém com Coca-Cola – não Pepsi. Não me pergunte por quê, eu estava intrigado com a camisa 8 de não sei qual volante obscuro do Estrela Vermelha que emoldurava uma Patrícia ainda de cabelos longos, recostada na mesa redonda de canto do La Brigada e ouvindo o rosto adolescente e tímido da filha do Pablo a defender ferozmente os Kirschner.

Os destinos da Quilmes e da Fernet, a subversão das relações de poder entre Coca e Pepsi, esses detalhes que denunciam a lealdade dos portenhos aos mundos estranhos de Borges e Bioy-Casares, tudo talvez estivesse nos preparando, a mim e à Patrícia, para o surgimento de Don Teodoro, 80 anos, taxista, último sorriso registrado provavelmente em 1978. Foi com Don Teodoro que descobrimos que o Tigre é o programa mais lindo para um domingo de sol, e não San Telmo. “Se soubesse que iam a San Telmo, não os teria deixado entrar”.

Don Teodoro é aquele para quem toda a imprensa está vendida a Cristina. Para quem o Malba, uma coleção *privada* (dito entre os dentes), é nada comparado ao Museu de Arte de Buenos Aires. Para quem a coisa certa a se fazer é contratar um motorista que saiba das coisas por 600 pesos, e rodar a cidade com ele por cinco horas, ou talvez não cinco horas, mas nunca tomem esse ônibus de dois andares, neles não se vê nada e só se vai a lugares estúpidos.

Don Teodoro, rugas de pedra e voz de V8, alma curtida de polêmica y calles, é quem afirma, em plena avenida Libertador e sem tomar fôlego:

“Pelé es mayor que Maradona. Os vi jugar a los dos y Pelé es un señor. Lo hizo todo, y es un señor. Maradona? Maradona tiene veinte hijos.”