O inverno em Brasília é a temporada da seca e da poeira. Poeira alta, que cobre tudo e todos.
Para quem vem a Brasília com pressa de aventureiro, a poeira, mesmo na seca, não tarda em virar lama.
Mas quem sabe o valor de andar à luz do dia, espana a poeira e segue sob o sol, que sempre volta, que sempre ilumina, que sempre expõe a tudo e a todos, mais dia menos dia, que não há dia sem sol em Brasília.
Quem pode andar à luz do dia em Brasília, que o faça de cabeça erguida, senhor da sua hombridade e da sua retidão.
Brasília é terra de forasteiros. Eu mesmo, um deles. Você, forasteiro, brasileiro atraído pela força centrípeta do Poder, ao vir a Brasília, ao pensar em Brasília, tenha em mente uma flanela, não uma aventura. Use a flanela diariamente, para espanar a poeira das ideias, de suas roupas, do seu ofício: para ela não acumular e impedir que enxergue a razão clara e límpida que o tenha trazido para cá. Para manter-se limpo, também.
Se a razão que o induzir a cruzar o País até Brasília não for límpida, nem clara: não venha. Não é bem-vindo. Siga e nunca mais volte.
Ao forasteiro, digo logo: evite a tentação do lago. Do lago e seus iates e velas e brilhos e bolhas disparados pescoços das Chandon. Lembre-se da poeira, peguenta e pronta para marcar seus passos. Água e poeira, nas mãos de um aventureiro, dão em lama.
Mas água e poeira, na mão de quem cuida, dão em argila e em arte e em utensílios e em vida bem vivida.
Brasília é a cidade das decisões e precisa de todo brasileiro, de cada brasileiro, da atenção de cada olhar e de cada mente, para que as decisões sejam mais bem construídas.
Aprenda a enxergar Brasília com seus próprios olhos. A poeira que paira sobre a cidade na seca vê passar no vento as páginas de jornal e de semanários que cobrem a vista de quem passa, que atrapalham a visão, em lugar de mostrar o caminho, o que acontece.
Venha com uma flanela, não com uma vassoura. Cuide primeiro de si e da sua conduta, da poeira que pespega a sua pele e a sua roupa. O seu carro – e aquele seu desejo de um carro melhor. Nada pior do que desejar um carro melhor, na cidade das decisões.
A vassoura vergastada Brasil afora contra Brasília, minha gente, já está operante Brasília adentro, não se engane. Ela vem varrendo, dia a dia, para ignomínia, para o opróbrio e a desonra, aqueles que se perdem nos vastos horizontes do planalto central.
Que sejam varridos, hoje e sempre. Que sejam desonrados, hoje e sempre.
E que mantenhamos todos a flanela contra a poeira.
Limpos, primeiro, nós mesmos. Em Brasília e fora dela.
*Texto publicado alhures em 20 de setembro de 2013