A Duquesa e seu Tempo

Ser livre é, também, permitir-se construir compromissos – e, dada a natureza dos compromissos, respeitá-los. Ser livre a qualquer custo é ser oprimido não pelo outro, mas por uma ideia. Nós somos a geração mais infeliz da História – empatada, talvez, com a que viveu a peste na Europa – justamente porque, no curso do nosso Tempo, sobrevieram duas revoluções e duas contrarrevoluções: ‪#‎a‬ revolução sexual (que rompeu com a tradição e os modelos de relacionamento), #a contrarrevolução (involuntária) da AIDS (que trouxe o terror para a intimidade e a suspeição no trato com o corpo do Outro), #a revolução tecnológica (que dizimou todas as barreiras de espaço, de éthos e morais, abrindo as portas para a disseminação de todas as práticas e todos os jogos antes mantidos em segredo, tudo a tornar indesejável e impraticável a assunção de qualquer forma – porque não há mais formas – de compromisso a dois) e, por fim, #a contrarrevolução com discurso revolucionário, que é a bandeira dos homossexuais em defesa do casamento (uma busca pela forma como afirmação da identidade. De uma forma que é um compromisso, uma negação voluntária à liberdade no nível pessoal que é, ao mesmo tempo, um grito de liberdade no âmbito social, das instituições). Nesse contexto, a defesa que se lê pelas redes sociais da conduta de Camilla Parker-Bowles, duquesa da Cornualha, que traiu seu marido com o príncipe e agora trai o mesmo príncipe que se tornou seu marido, soa como um recuo aos anos 1960, quando ela era bela e jovem. É uma defesa que afirma uma libertação equivocada da mulher, porque alimentadora de um ethos que reproduz e marca a angústia do nosso tempo: a negação do compromisso. À falta de um modelo preestabelecido de relacionamento, já que todos foram negados nos mesmos 1960, o que resta hoje é a tensão entre, de um lado, a liberdade de cada um de fazer o que se quer, sem atenção ao Outro – e nisso reside, em grande parte, a infelicidade da nossa geração – e, de outro lado, a autonomia (o poder de ditar as próprias regras) de cada dois de arranjarem-se de comum acordo, definindo os limites da relação, permitindo, nessa combinação, que ambos se mantenham abertos a outros (desfrutar momentos na superfície do desejo e do encantamento), que ambos se mantenham fiéis (darem-se por encontrados um no outro, auto-suficientes diante da opressão da possibilidade de infinitas escolhas) ou que ambos se mantenham leais (manterem-se um ao outro como centro, mas permitindo-se abrir-se a prazeres fugazes). Qualquer desses compromissos podem ser desfeitos sem que seus termos sejam desprezados. Camilla não fez isso. Camila agiu como este subproduto da revolução sexual: a mônada (um ser que vive isolado do mundo) libertária que despreza o outro. Não há nada de grande no seu gesto. O discurso que a defende baseado em que ela confrontou as regras da Corte e impôs-se a um meio castrador não resiste ao fato de que ela se beneficiou dessa Corte, desejou essa Corte, confrontou regras (ao ser amante do príncipe) para viver nessa Corte e agora, ao sair dela, quer 350 milhões de libras como compensação. Não há nada de novo no arrivismo da duquesa. Nem há em sua conduta um norte de libertação feminina. É apenas mais uma alma pequena no grand monde, que definitivamente não aponta uma saída, muito menos um modelo, para esta geração. Caio Leonardo

2 comentários em “A Duquesa e seu Tempo”

  1. A cada texto, uma forma de conhece-lo, mais ainda. Mestre nas habilidades coloquiais, faz-me regozijar com seus apontamentos, que os enxergou como viscerais. A pobre (sic) senhora determinando mudanças em uma familia. Triste isso.

    Curtir

Deixe um comentário