Sobre Anões e Senadores

Há pouco tempo, uma delegação venezuelana veio ao Brasil e reuniu-se com o MST sem antes dialogar com as autoridades brasileiras. Dilma expressou desconforto com a situação (o que não é pouca coisa em diplomacia) e pediu explicações ao Embaixador da Venezuela.

O protocolo internacional de uma visita em território venezuelano de senadores brasileiros a líderes opositores ao Governo de lá exige tratativas anteriores entre os chanceleres de ambos os países, de modo a autorizar a missão. Isso não foi feito adequadamente pela “delegação de senadores” que aterrissou em Caracas e mal conseguiu sair do aeroporto.

A situação criada por aqueles senadores assemelha-se àquela criada pela autoridade venezuelana que se encontrou com o MST, só que inversa: uma delegação brasileira chega à Venezuela e quer falar com grupos políticos locais, sem mais. Não pode.

A Presidente expressa “constrangimento”. Em linguagem diplomática, isso significa: “A turma daqui pisou na bola, mal aí”.

A Constituição Federal trata dos princípios que o Brasil segue em suas relações internacionais. O segundo deles é a “prevalência dos direitos humanos. Foi em defesa desses direitos que os senadores marcharam para a Venezuela. Gol dos senadores!

Mas os princípios seguintes fazem o jogo virar – constrangedoramente.

O terceiro é a “autodeterminação dos povos”. A Venezuela, mal ou bem, elegeu seu presidente. Isso significa que o povo venezuelano, em sua maioria, determinou por si mesmo (aqui, a tal autodeterminação) quem quer que chefie seu Estado e seu Governo.

O quarto princípio a reger constitucionalmente as relações do Brasil com outros Países é a “não-intervenção”. O Brasil não pode, mesmo que a maioria do nosso povo assim o quisesse, por meio de seus Poderes Constituídos, invadir Cuba ou a Coreia do Norte, porque são países comunistas. O Brasil não pode intervir na ordem interna de um País. E quando senadores brasileiros, portanto representantes de um dos Poderes Constituídos, entram em solo venezuelano para intervir em assuntos políticos de lá, esses senadores estão violando a Constituição.

Por fim, no que interessa aqui, vem o quinto princípo, dos dez que há ao art. 4o da nossa lei maior: “igualdade entre os Estados”. O Brasil não é melhor do que a Venezuela. Os senadores brasileiros não estão, para efeito de nossas relações internacionais, acima das autoridades venezuelanas. A prepotência individual, que funciona para o público interno, não funciona no plano internacional.

Os senadores brasileiros em missão à Venezuela constrangem o Brasil e se ridicularizam perante a opinião pública e no meio diplomático.

Um diplomata israelense uma vez disse que o Brasil era um “anão diplomático”. A analogia é ofensiva às pessoas afetadas pelo nanismo. À parte isso, os senadores brasileiros confirmam o diagnóstico do israelense.

Caio Leonardo

A Duquesa e seu Tempo

Ser livre é, também, permitir-se construir compromissos – e, dada a natureza dos compromissos, respeitá-los. Ser livre a qualquer custo é ser oprimido não pelo outro, mas por uma ideia. Nós somos a geração mais infeliz da História – empatada, talvez, com a que viveu a peste na Europa – justamente porque, no curso do nosso Tempo, sobrevieram duas revoluções e duas contrarrevoluções: ‪#‎a‬ revolução sexual (que rompeu com a tradição e os modelos de relacionamento), #a contrarrevolução (involuntária) da AIDS (que trouxe o terror para a intimidade e a suspeição no trato com o corpo do Outro), #a revolução tecnológica (que dizimou todas as barreiras de espaço, de éthos e morais, abrindo as portas para a disseminação de todas as práticas e todos os jogos antes mantidos em segredo, tudo a tornar indesejável e impraticável a assunção de qualquer forma – porque não há mais formas – de compromisso a dois) e, por fim, #a contrarrevolução com discurso revolucionário, que é a bandeira dos homossexuais em defesa do casamento (uma busca pela forma como afirmação da identidade. De uma forma que é um compromisso, uma negação voluntária à liberdade no nível pessoal que é, ao mesmo tempo, um grito de liberdade no âmbito social, das instituições). Nesse contexto, a defesa que se lê pelas redes sociais da conduta de Camilla Parker-Bowles, duquesa da Cornualha, que traiu seu marido com o príncipe e agora trai o mesmo príncipe que se tornou seu marido, soa como um recuo aos anos 1960, quando ela era bela e jovem. É uma defesa que afirma uma libertação equivocada da mulher, porque alimentadora de um ethos que reproduz e marca a angústia do nosso tempo: a negação do compromisso. À falta de um modelo preestabelecido de relacionamento, já que todos foram negados nos mesmos 1960, o que resta hoje é a tensão entre, de um lado, a liberdade de cada um de fazer o que se quer, sem atenção ao Outro – e nisso reside, em grande parte, a infelicidade da nossa geração – e, de outro lado, a autonomia (o poder de ditar as próprias regras) de cada dois de arranjarem-se de comum acordo, definindo os limites da relação, permitindo, nessa combinação, que ambos se mantenham abertos a outros (desfrutar momentos na superfície do desejo e do encantamento), que ambos se mantenham fiéis (darem-se por encontrados um no outro, auto-suficientes diante da opressão da possibilidade de infinitas escolhas) ou que ambos se mantenham leais (manterem-se um ao outro como centro, mas permitindo-se abrir-se a prazeres fugazes). Qualquer desses compromissos podem ser desfeitos sem que seus termos sejam desprezados. Camilla não fez isso. Camila agiu como este subproduto da revolução sexual: a mônada (um ser que vive isolado do mundo) libertária que despreza o outro. Não há nada de grande no seu gesto. O discurso que a defende baseado em que ela confrontou as regras da Corte e impôs-se a um meio castrador não resiste ao fato de que ela se beneficiou dessa Corte, desejou essa Corte, confrontou regras (ao ser amante do príncipe) para viver nessa Corte e agora, ao sair dela, quer 350 milhões de libras como compensação. Não há nada de novo no arrivismo da duquesa. Nem há em sua conduta um norte de libertação feminina. É apenas mais uma alma pequena no grand monde, que definitivamente não aponta uma saída, muito menos um modelo, para esta geração. Caio Leonardo