Imigrantes derrota Aécio

Não, não há erro de concordância no título. Aécio foi derrotado não por nordestinos famintos, mas por uma rodovia. Ou várias. E todas privatizadas.

Para refutar a hipótese de um Norte-Nordeste vitorioso por si, importa registrar que mais da metade dos votos em Dilma vieram das Regiões onde Aécio venceu: Sul, Sudeste e Centro-Oeste (30 milhões, de 54 milhões).

SUL

Dilma venceu no interior do Rio Grande do Sul e do Paraná, embora tenha perdido no total desses dois Estados.

SUDESTE

Dilma venceu em vários Municípios de São Paulo, que lhe deu 8 milhões de votos, ou 25% do seu eleitorado.

A votação de Dilma no Estado de São Paulo equivale à soma das populações (não só dos eleitores) das 12 maiores cidades paulistas, excluída a capital, ou o equivalente à totalidade dos eleitores da própria capital.

CENTRO-OESTE

No Centro-Oeste, onde Aécio venceu e que é o menor colégio eleitoral dentre as regiões (10 milhões), Dilma teve 42% dos votos.

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Assim tendo sido, se somarmos Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, Dilma recebeu dali perto de 30 milhões de votos. No Norte-Nordeste, terá recebido 24 milhões de votos.

Pode-se dizer que o Brasil inteiro votou em Dilma, mas nem todo o Brasil votou em Aécio. O Norte-Nordeste, de fato, não votou nele – e cabe a ele e ao seu partido reavaliar sua abordagem daquela região.

Porém, foi no Sudeste que Aécio perdeu a eleição. Era a sua seara. A diferença de 3 milhões de votos poderia ter sido nivelada com Minas e Rio de Janeiro, que foram os Estados que tiraram a vitória dele. Ou apenas por São Paulo.

Para entender isso, basta registrar que, em São Paulo, 20% não votaram nem num, nem noutro. 20% do colegiado paulista representa mais de 5 milhões de votos. Como, repita-se, a diferença foi da ordem de 3 milhões de votos, São Paulo, sozinho, poderia ter dado a vitória a Aécio, mas se absteve.

Tudo considerado, teria sido possível, sim, uma vitória de Aécio sem o Norte e o Nordeste, se Rio e Minas tivessem ido em seu socorro, ou se São Paulo não tivesse tido tão larga abstenção. Mas uma vitória assim teria efetivamente mostrado uma maioria de eleitorado de costas para as duas regiões mais pobres do País. Um dos muitos recados das urnas é que os conservadores seduziram menos do que estava a seu alcance – e muito menos daquilo que não se importaram em alcançar.

Os paulistas farão melhor, portanto, em não imputar a outro Estado ou região a derrota de Aécio. Em lugar de apontar dedos “aos” imigrantes, melhor que os apontem à Imigrantes, à Dutra, à Fernão Dias, à Bandeirantes, rotas de fuga dos que preferiram não votar.

MapaEleitoral

Mapa de votação por municípios. Tons de vermelho são vitórias de Dilma; tons de azul, vitórias de Aécio.

Caio Leonardo

27.outubro.2014
Caio Leonardo

Canção do Levante

Caboclo que sessas sob o sol,
Já se vão desoras
de mancornar
os que alcunham de mandriões
os esportulários antes trambecados
por veredas hoje descangadas.

Olha as almas que tranam o rubicão da bonança
tangidas pelo aracati benfazejo
que bafeja
este albor de século.

Motejam o teu mourejar.
Rezingam o roborar do teu costado.
Lobrigam no breu da bem-aventurança,
apeançados com teu novo vigor.

Joeira pela urupema
o jaspe,
sessado e lustrado,
que ornará neste lustro
os altares deste bom povo,
lombilhado,
lonqueado.

Joeira pela urupema
o que te enfronda
e confronta o sandejar
dos da ribalta.
Que alto é o teu horizonte,
para além das pretermitências
que assombram o dia santo.

Joeira pela urupema
o sal da terra,
e deixa esvair-se
o esgar provecto
que aqui já não tem tempo,
nem lugar.

 

Caio Leonardo

21.10.2014

 

 

Leitura de Canção do Levante pelo autor:

Bright-White Powder My Wig, Mr. Turner

Esta é uma boa noite para Turner, suas tempestades, seus mares em ressaca, seus naufrágios. Talvez mitigue o excesso de calor e a escassez d’água.

Este é “Norham Castle at Sunrise”, William Mallord Turner foi o homem que o pintou, entre 1835 e 1840. A primeira vez que vi um Turner foi em 1995, na Tate Gallery, em Londres, e foram logo vários, havia uma ala inteira dedicada a ele – mas não entendi por quê. Achei-o insosso, indefinido, apático: inglês. Não gosto do amarelo tanto quanto Turner gosta; e gosto menos ainda de suas associações com o vermelho, tão usuais nos óleos de Turner.

Porém, insosso e indefinido era, constatei depois, o meu olhar ainda romântico, ainda não preparado para um pintor que foi impressionista quarenta anos antes de Monet. De 1829 a 1837, os óleos de Turner mudaram cada vez mais profundamente na direção de representarem efeitos de luz, em detrimento dos aspectos figurativos do que fosse o objeto de sua pintura. Foi essa mudança, essa nova fase, que fez dele um precursor do impressionismo…

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Tons de Outubro

tonsdeoutubro

A frase que define a razão dos movimentos políticos vistos na largada para segundo turno é: “Voto não tem dono”.

Dilma Rousseff acenou não reconhecer a representatividade de seus adversários, ao dizer isso. Não reconheceu, em consequência, que há agendas em conflito com sua condução do Governo Federal.  É lugar-comum constatar que Dilma não ouve. Mas ela vai além com essa frase, porque demonstra que não sabe ouvir e que não pretende ouvir.

Essa atitude é a que explica a adesão geral a Aécio Neves. Nenhum grupo político em sã consciência de suas pretensões de poder – no melhor dos casos, de avanço em suas agendas – vai querer gravitar em torno de um perfil como o de Dilma.

A presidente está sozinha, como, parece, sempre quis estar. Restam apenas as afinidades ideológicas e aquelas cujo fisiologismo permite manter um pé em cada canoa. Ninguém a incomodá-la com divergências, ideias, nem com soluções que não tenham tido origem em sua mente, sitiada pela arrogância violenta tão comum nos inseguros alçados a uma posição de comando.

Dilma, se derrotada, terá sido vítima de si mesma. Se vitoriosa, terá os piores quatro anos que um presidente já teve em nossa história, com uma maioria, sim, mas uma tal que a odeia e teme, evita e, reciprocamente, não ouve.

Com novo mandato a Dilma, o Parlamento tenderá a voltar-se para si mesmo, decidir por si, afastando-se do Palácio do Planalto, de mármores que lembram cada vez mais marfim.

Com Aécio, o Parlamento retornará à política tradicional – nada de “Nova Política”. A configuração da Câmara dos Deputados pós-5 de outubro hoje, no entreturnos das eleições presidenciais, sugere 3/5 de base de apoio a Dilma, com Aécio podendo contar com 1/5. Esse quadro, o tucano reverteria com facilidade, versado nas artes da negociação partidária. Dilma, porém, terá imensa dificuldade em mantê-lo, vitimada pela fadiga de material imposta por ela mesma à máquina que dá tração entre Executivo e Legislativo.

A agenda do PSDB segue sendo sem imaginação, não inspira, nem mostra rumo transformador de uma realidade ainda a exigir muita mudança em todas as suas nuances. O PSDB não consegue pensar o Estado para fora dos muros das repartições, não o vê como agente transformador e vê seus mandatos como compromissos com a contenção de gastos públicos, ao que chamam de “eficiência”. Eficiência, no entanto, é fazer mais e melhor para atender prioridades estabelecidas em diagnósticos tão precisos quanto amplos daquilo de que necessita o País – sua economia, sua gente, seu meio ambiente, suas instituições – para se projetar no futuro como uma sociedade justa e solidária, como preconiza nossa Constituição.

A agenda de Dilma tem como norte um Estado regulador, transformador de realidades. No entanto, a presidente descarrilou da agenda dos anos Lula no setor externo; experimentou na gestão econômica – com resultados medíocres, senão perigosos -; gesticulou atabalhoadamente com incentivos e benefícios fiscais, com resultados contraditórios e, não raro, com profundos impactos negativos colaterais (petróleo x açúcar; máquinas x estradas); avançou receosa na agenda institucional – em especial, na de combate a corrupção, que andou melhor sob Lula -; e falhou em sua própria especialidade: energia.

Não há tragédias, nem tangos à frente. Apenas anos medíocres para aquilo de que o País realmente, estruturalmente, socialmente precisa. Podemos assistir a uma melhora no ambiente de negócios, mas será sem remorsos com eventual – e previsível – aumento da concentração de renda em anos de Aécio. Ou podemos patinar raivosamente, com as instituições em rusgas internas e entre elas, em mais quatro anos de Dilma.

Caio Leonardo

Avanço Conservador Salvo pelo Gonzo

holden-caulfield-thinks-you-re-a-phony (1)

Do Departamento de Agressões Não Tão Gratuitas

Xico Sá não é Kurt Vonnegut, mas queria ser. Não é Hunter S. Thompson, mas queria ser. Não escreve coisa alguma memorável ou digna de nota, mas pagavam pelo que despejava num caderno de esportes até ontem, quando pediu demissão e, com isso, fez o maior gesto a seu alcance para o futuro do jornalismo, mas na direção oposta à desejada, ao abrir mais um tanto as comportas para a onda conservadora que beija e balança o Brasil, a imprensa e, em particular, a Folha de S. Paulo.

Pediu demissão porque queria declarar voto e não deixaram. No mesmo dia, deixaram Gregorio Duvivier declarar o seu. Para a mesma candidata. No mesmo jornal.

Xico Sá saiu da Folha para entrar no Twitter. Tem muitos amigos e seguidores. Seu gesto foi apropriado pelas duas campanhas, com sinais invertidos. Por isso, Xico volta hoje, triunfal no seu fracasso, com algo como uma “carta aos brasileiros” em que fala aos mortos e às militâncias digitais com tom e conteúdo a emular forçadamente os beatniks, usando referências fáceis, o que não impediu tropeços – como reduzir No Country for Old Men a um filme dos Cohen; como esquecer o Whitman sob o Salinger que cita sem inspiração, nem propósito; como invocar espíritos à semelhança de quem se imola em praça pública, alçando a si mesmo a um martírio ingênuo – e pretensioso. Xico está cheio de si. Holden Caulfield, que ele cutuca, diria, baixando a cabeça:

“He’s a lousy phony…”

O rescaldo desse burburinho é que os jornais e as revistas do País seguem sem declarar voto; as revistas e os jornais do País seguem publicando matérias contra uma candidatura e escondendo criteriosamente tudo que há contra a outra; colunistas seguem escrevendo o que querem, se souberem escrever; uma voz, ainda que menor, sai da cena cada vez mais monocórdia da imprensa escrita; e as redes sociais seguem fazendo o que lhes cabe: alimentar discursos autoritários à esquerda e à direita, e reforçar seu papel de veículo do extermínio da possibilidade, da viabilidade mesma de um entendimento comum do que seja a verdade.

Caio Leonardo

14.10.2014